A persecução privada no direto concorrencial brasileiro e as inovações trazidas pela Lei nº 14.470/2022

A nova legislação concorrencial confere maior segurança e melhores condições às ações particulares fundadas na violação da Lei de Defesa da Concorrência, tanto do ponto de vista do direito material, como do direito processual.

No ano em que completou 10 anos de vigência, a LDC – Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011) foi alterada com a publicação no Diário Oficial da União da Lei nº 14.470/2022, que implementou artigos que facilitam a persecução privada concorrencial, incentivando a propositura de ações judiciais de reparação de danos, por aqueles que foram prejudicados em função de condutas anticompetitivas.

A nova legislação concorrencial fomenta a reparação cível, à medida em que confere maior segurança e melhores condições às ações particulares fundadas na violação da LDC, tanto do ponto de vista do direito material, como do direito processual, superando questões que até então eram objeto, apenas, da jurisprudência concorrencial.

Sob a perspectiva do direito material, por exemplo, o novo artigo 46-A da LDC estabelece que o prazo de prescrição para reparação de danos causados pelas infrações à ordem econômica é de 5 anos, iniciando-se com a ciência inequívoca do ilícito pela parte legitimada à propositura da ação, que por sua vez será aferida na publicação do julgamento final do processo administrativo pelo CADE[1], ficando a prescrição suspensa neste interim.

Sob a mesma perspectiva, a Lei 14.470/2022 inovou ao estabelecer o direito de indenização em dobro (double damages) em favor do agente prejudicado pelas práticas de cartel e de influência de conduta uniforme entre concorrentes, disciplinadas, respectivamente, nos incisos I e II do parágrafo 3º do artigo 36 da LDC. Trata-se de uma regra lastreada à luz da legislação federal americana de defesa da concorrência,  que estabelece no parágrafo 4º do Clayton Act[2], o direito de restituição em triplo (treble damages) sobre os prejuízos sofridos em decorrência da violação da legislação antitruste americana, além de despesas processuais e honorários advocatícios.

O direito de indenização em dobro, inovado pelo parágrafo 1º do artigo 47 da LDC, é excepcionado, contudo, nos casos em que o CADE houver celebrado  acordos de leniência ou termo de compromisso de cessação de conduta com os coautores de infração à ordem econômica, desde que declarados cumpridos pelo CADE, hipóteses nas quais a responsabilidade civil será limitada aos danos efetivamente causados aos prejudicados. Os signatários destes instrumentos, inclusive, responderão perante o terceiro prejudicado apenas pelos prejuízos a que derem causa, não havendo responsabilidade solidária pelos danos causados pelos demais agentes eventualmente envolvidos na demanda. Trata-se de ressalvas disciplinadas, respectivamente, nos novos parágrafos 2º e 3º do referido artigo 47 da LDC, que objetivam estimular os acordos espontâneos junto ao CADE, em contrapartida à mitigação de responsabilidades dos envolvidos.

A Lei nº 14.470/2022 passou a estabelecer, também, que o repasse do sobrepreço não se presume, cabendo ao réu que o alegar o ônus de prova. A matéria inserida no novo parágrafo 4º do Artigo 47 da LDC objetiva adequar a distribuição do ônus da prova, conferindo-lhe ao agente com melhores condições de fazê-lo e, principalmente, maior interesse na sua demonstração, considerando o potencial impacto no montante indenizatório devido, que poderá ser reduzido, à medida que comprovado que o agente prejudicado pelo ilícito concorrencial repassou referida conduta ao longo da cadeia.

Do ponto de vista processual, o artigo 47-A da LDC passou a determinar que a  decisão do Plenário do Tribunal do CADE estará apta a fundamentar a concessão de eventual tutela de evidência, permitindo ao juiz, no âmbito da ação privada indenizatória, decidir liminarmente sobre seu mérito.

A Lei nº 14.470/2022 entrou em vigor na data da sua publicação, em 17 de novembro de 2022, e representa um importante avanço no Sistema de Defesa da Concorrência, fortalecendo as bases da persecução privada, em paralelo à persecução concorrencial pública, exercida administrativamente pelo CADE. Trata-se de um sistema mais robusto e que tende, gradativamente, a desestimular a prática de ilícitos concorrenciais pelos players atuantes no mercado, que estão cada vez mais expostos a responsabilidades legais, tanto na esfera administrativa, quanto na judicial.

 

Por Vinicius Melo Santos, advogado da  Equipe Contratual, Societária e Regulatória do escritório Lopes Muniz Advogados

**********

[1] Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

[2] Clayton Act é uma legislação federal de defesa da concorrência, instituída pela Autoridade Concorrencial Americana, a Federal Trade Commission.