Iluminando potenciais conflitos de interesse

O Conselho Federal de Medicina (CFM) fez publicar hoje, 02 de setembro de 2024, no Diário Oficial da União (DOU) a Resolução 2.386/2024, estabelecendo normas para regular as relações entre médicos e: (i) empresas farmacêuticas, e (ii) empresas de insumos e equipamentos médicos. O CFM esclarece que a Resolução não implica interferência na autonomia dos profissionais, não impedindo ou colocando limites nas interações entre os médicos e as empresas, servindo, apenas, como instrumento para trazer maior transparência às relações, deixando claros eventuais conflitos de interesse. A Resolução entrará em vigor 180 dias após a publicação, ou seja, no início de março do próximo ano.

 

Assim, nos termos da Resolução, os médicos deverão informar, por meio da plataforma dos seus respectivos Conselhos Regionais, eventuais vínculos que mantenham com empresas antes citadas, seja como consultores ou prestadores de serviços, participantes em pesquisas, ou mesmo como empregados, não sendo exigida a declaração do valor envolvido. A informação deve ser feita pelo médico, no site do CRM-Virtual, do Conselho Regional em que tiver inscrição. As informações, objeto da Resolução, prestadas pelos médicos, serão publicados em plataforma própria do CFM.

 

A Resolução esclarece que o vínculo entre médico e uma empresa se caracteriza quando o profissional: (i) for contratado formalmente para trabalhar para uma empresa; (ii) prestar serviço ocasional e/ou remunerado para uma empresa; (iii) realizar/participar de pesquisa para desenvolvimento de fármacos, materiais, produtos, ou equipamentos de uso médico; (iv) for contratado/convidado, mediante remuneração, para fazer divulgação da empresa; (v) atuar como membro da CONITEC, e/ou de outros conselhos similares como na ANS, ANVISA, e outros; e (vi) quando atuar como palestrante.

 

Importante esclarecer que não são objeto da Resolução rendimentos recebidos em decorrência de investimentos em ações ou quotas de empresas, amostras grátis de medicamentos e/ou de produtos, e benefícios recebidos por sociedades científicas e entidades médicas.

 

Um outro importante ponto da Resolução, regulado no seu artigo sexto, é o que exige que médicos que participem de entrevistas, debates, eventos (estritamente médicos ou com participação de público leigo), informem eventuais conflitos de interesse com relação ao assunto sobre o qual falarão. De se notar que com relação este formato de declaração de conflito de interesse, há algum tempo, profissionais contratados por empresas farmacêuticas associadas à INTERFARMA, para participação em eventos, já são obrigados a declarar, às respectivas audiências potenciais conflitos de interesse com a empresa contratante.

Note-se que no Brasil, o Estado de Minas Gerais, por meio da Lei Estadual de Minas Gerais, 22.440/2016, já exige que as indústrias de medicamentos, órteses, próteses, equipamentos e implantes informem, até o último dia de janeiro de cada ano, as relações com quaisquer profissionais de saúde, de qualquer natureza, que configurem potenciais conflitos de interesses, o nome do profissional, seu número de inscrição no respectivo conselho de classe e, o valor envolvido; ou seja, neste caso, a obrigação da prestação das informações é das empresas e não dos médicos. Além disso, a Lei exige que sejam informados, também, os respectivos valores. A informação, bastante detalhada, é publicada pela Secretaria de Saúde na página http://declarasus.saude.mg.gov.br/

 

Nos Estados Unidos da América, legislação federal semelhante existe desde 2010 (The Sunshine Act). Esta legislação exige que fabricantes de produtos farmacêuticos, de produtos biológicos, e de outros produtos para a saúde, objeto dos três programas federais de cuidados com a saúde (Medicare, Medicaid, e State Children’s Health Insurance Program – SCHIP) registrem e rastreiem relações financeiras com médicos e hospitais educacionais, e as informem aos centros de Medicare/Medicaid. A Lei autoriza, ainda, os estados a promulgarem leis que requisitam informações adicionais.

 

Finalmente, no caso da Europa, tanto a Federação Europeia de Indústrias e Associações Farmacêuticas (EFPIA) como a Associação Europeia da Indústria de Tecnologia em Saúde (MedTech Europe), têm disposições semelhantes em seus respectivos códigos de conduta. Além disso, diversos países da Comunidade Europeia têm leis específicas regulando potenciais conflitos de interesse entre as indústrias e profissionais da área de saúde.